domingo, 8 de março de 2020

Valesca Popozuda declara que sua música é libertação para mulheres e comenta sobre as frases machistas mais ditas no Brasil: "ouço todas".

Cantora diz usar sua arte para desconstruir padrões onde o machismo é estrutural
Após repercussão do desabafo da cantora Gretchen, 60, sobre a pesquisa anual da empresa educacional alemã Babbel, “The patriarchal rooted in languages”, que revelou as frases machistas mais ditas em 12 países, a também cantora Valesca Popozuda, 41, se pronunciou sobre o resultado do levantamento internacional: “é lamentável! E não tem nada a ver com ser ‘geração mimimi’, estamos nos posicionando e reclamando de algo que era errado e continua sendo errado”, declarou.


O estudo, que foi desenvolvido por uma equipe de 150 linguistas e educadores de 50 países, avaliou as famosas “piadinhas” que são ditas de forma natural, mas na verdade, são falas que contém machismo, sexismo e violência contra a mulher, porém, com o tom de humor ficam disfarçadas de maneira sútil.
Ao ser questionada se em 2020 ainda há machismo no meio artístico, Valesca foi certeira: “Lógico! A gente luta contra o machismo e luta pedindo respeito pelas mulheres”. Mas, de acordo com ela, basta lançar uma música que contenha liberdade sexual feminina para receber comentários como: depois quer ser respeitada. “Isso é o fim!”, exclamou.
Para a artista, sua música é uma forma de libertar outras mulheres, de mostrar a elas onde está o machismo no dia a dia. “A música percorre a mídia. Ela está nas rádios, na TV, e atinge mulheres em casas onde o machismo é estrutural. É uma forma de levar a mensagem onde existe um machista encubado”.
Entre as frases levantadas pela pesquisa, as mais ditas no Brasil são: Como uma mulher tão bonita como você está solteira?, Mulher tem de se dar ao respeito, Comporte-se como uma mocinha, Mal-amada e Mulher de malandro. “Por incrível que pareça, já usaram todas essas frases comigo. São as frases que mais ouvi na minha vida. Mas a frase mais inaceitável é ‘mulher tem que se dar ao respeito’, nunca vi uma frase tão machista quanto essa. Essas frases precisam acabar, tenho horror a essa frase”, conclui.
Confira os termos mais citados em 12 países da pesquisa “The patriarchal rooted in languages”:

Brasil
Como uma mulher tão bonita como você está solteira?
Obviamente, essa frase implica que apenas mulheres feias ficam solteiras – como se a opinião dos homens sobre estética feminina tivesse o poder de decidir seu status civil. Nem os próprios homens saem ganhando com esta frase, já que ela comunica que eles são tão fúteis ao ponto de basearem suas escolhas apenas em aparências.
Mulher tem de se dar ao respeito
Esta afirmação significa que mulher que se preze tem de se portar e se vestir de uma certa maneira para ser respeitada por homens. Caso contrário, ela corre o risco de ser considerada vulgar e não digna de respeito – o que acaba justificando assédios e até estupros. “A frase é muito usada para tentar transferir a culpa de ações como essas, inclusive as criminosas, minimizando a responsabilidade de quem realmente cometeu a agressão. É bom lembrar que essa cultura de culpabilização da mulher é tão forte que também é reproduzida por mulheres”, diz Camila Rocha Irmer, linguista brasileira da Babbel.
Comporte-se como uma mocinha
Esta frase geralmente é usada para ensinar "boas maneiras" a meninas. “Comportar-se como uma mocinha” significa ser obediente, quieta e graciosa, implicando que qualquer outro comportamento fora desse escopo não é adequado e deve ser condenado.
Mal-amada
O termo, que é usado apenas para mulheres, pretende “descrever” a atitude de uma mulher usando uma suposta causa – falta de afeto masculino. Contudo, quando o mal-humorado é um homem, ele é o dono do próprio estado emocional/ atitude – e nunca um mal-amado. Já a expressão “mal-amada” sugere que um homem, ou a falta dele, teria o poder de moldar a personalidade feminina.
Mulher de malandro
A expressão normaliza a violência doméstica ao subestimar um assunto sério. Usar o termo, que se refere à mulher que apanha mas não larga o marido, é colocar na vítima a responsabilidade pela violência sofrida, absolvendo o agressor. Chamar alguém de "mulher de malandro" é ignorar os motivos que a fazem ficar em uma relação abusiva: falta de condições econômicas para criar as crianças sozinha, falta de apoio das pessoas ao redor, medo de ser assassinada pelo marido, etc. Quando está presa em uma relação abusiva, muitas vezes nunca consegue se libertar porque o abusador a humilha e a diminui até aniquilar a força e a autoestima necessárias para que consigam sair da relação.
Argentina
Sabes cocinar, ahora ya te podes casar (significado: sabe cozinhar, agora já pode se casar).
Apesar de já estarmos em 2020, esta frase remonta à primeira metade do século passado, quando as mulheres eram majoritariamente donas de casa. Contudo, ela continua sendo repetida não só na Argentina, mas no Brasil e em muitos outros países.
Chile
Con ese carácter, nadie te va a aguantar (significado: com essa personalidade, ninguém vai te aguentar)
Esta frase tem a ver com o termo “mal-amada” em português. Mais uma vez, mulheres que apresentam opiniões fortes e não são sempre “doces” acabam sendo vistas como desagradáveis – o que supostamente as impediriam de ter um parceiro.
Colômbia
Eso fue que se lo dio al jefe (significado: ela deve ter dormido com o chefe)
Apesar de o mercado de trabalho estar cada vez mais igualitário, esta frase, que ainda é muito proferida, denuncia o longo caminho que ainda é preciso percorrer. “Eso fue que se lo dio al jefe” supõe que uma mulher só chega a ser bem-sucedida se dormir com seu próprio chefe. “A verdade é que a persistência da desigualdade salarial e o abuso generalizado de mulheres dentro e fora do trabalho destacam desigualdades profundamente enraizadas – tanto na sociedade quanto na linguagem” comenta David Marín, linguista colombiano da Babbel.

Espanha
A los hombres se les conquista por el estómago (significado: homem se conquista pelo estômago). Esta frase remonta à argentina Sabes cocinar, ahora ya te podes casar. As duas impõem a ideia de que mulheres precisam cuidar dos homens. Do contrário, não são “boas mulheres”.
Itália
Tanto a voi basta aprire le gambe (significado: você só precisa abrir as pernas)
No mesmo sentido da colombiana Eso fue que se lo dio al jefe, esta frase, ainda muito usada na Itália, anula a capacidade profissional e intelectual das mulheres em alcançar seus objetivos.
França
C'est une affaire d'homme (significado: isso é negócio de homem)
Geralmente usada para excluir mulheres de assuntos intelectuais ou sobre negócios. Um exemplo é quando uma mulher tenta participar de uma conversa, mas é bloqueada com esta frase. Esse “não é da sua conta” subestima, mais uma vez, a capacidade intelectual da mulher, além de cancelar sua opinião sobre certo tema.

Alemanha
Bis du heiratest ist das weg (significado: quando casar passa)
Também na Alemanha, quando uma garotinha se machuca ainda dizem “quando casar passa” – como se o casamento fosse eliminar todas as dores de sua vida. 
Reino Unido
Man up (significado: seja homem!)
Esse imperativo é usado para exigir que alguém se endureça e enfrente as coisas de frente. A frase implica que só através da masculinidade é possível vencer desafios.
Estados Unidos
Bubbly (tradução literal: espumante/ com gás)
O termo é usado para descrever um suposto traço de personalidade feminina extrovertida, que é feliz, bobo, comunicativo, mas sem conteúdo. O fato de bubbly não ser usado para homens, por si só, já denuncia o problema.
Austrália
Don't be such a girl (significado: não seja um mariquinha)
Frase frequentemente dita a meninos, comunicando que sensibilidade e tristeza são traços de fraqueza reservados a meninas. 
Nova Zelândia
Cook the man some (fucking) eggs (tradução literal: cozinhe alguns ovos para o homem!)
Esta é uma frase de um filme da Nova Zelândia chamado Once were warriors. Nele, um personagem masculino ordena sua esposa a cozinhar alguns ovos para o amigo dele. Ela se recusa e o marido a agride violentamente. Desde então, é usado na popularmente com o significado "faça algo por mim". Contudo, seu uso como piada minimiza a gravidade da violência doméstica.

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