quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

O Dilema das Redes e a educação digital

 

Cláudio Sassaki, mestre em Educação pela Universidade de Stanford e cofundador da Geekie, analisa como um documentário despertou a atenção de pais, responsáveis e educadores para a urgência de incluir a educação digital na grade de disciplinas.

O século XXI – com o advento da tecnologia e seus respectivos impactos no cenário global – trouxe para a sociedade a figura do cidadão digital. Dessa persona, espera-se que utilize de maneira apropriada e responsável os recursos tecnológicos; esse atuar envolve direitos e deveres que, dado o ineditismo do momento, podem não ser tão claros e de fácil domínio quanto imaginamos. Há alguns anos, tenho ouvido pais, mães e responsáveis comentarem o quanto crianças e adolescentes, os chamados nativos digitais, são hábeis em navegar nesse mundo. Entretanto, essa conclusão é equivocada ao extremo. De acordo com pesquisa TIC Kids Online, quando desafiados a julgar as próprias habilidades na internet, 76% dos jovens brasileiros acreditam saber mais do que os pais; 71% afirmam conhecer muito sobre como usar a rede. No entanto, da teoria à prática, em um experimento da mesma organização, 30% dos jovens não souberam verificar se uma informação na internet estava correta. Esse dado é relevante, porque prova que há necessidade de orientação; da mediação de pais e professores. Aliás, essa conclusão fica muito clara com o docudrama The Social Dilemma (O Dilema das Redes), lançado pela Netflix.


Dirigido por Jeff Orlowski e escrito por Orlowski, Davis Coombe e Vickie Curtis, o documentário analisa o papel das redes sociais e os danos que elas podem causar à sociedade. Temas como desinformação, discurso de ódio, polarização e manipulação de algoritmos e recursos – como o botão like – são detalhados por executivos da indústria que vivenciaram a criação e o gerenciamento de redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter, Pinterest e do Google. Os dilemas éticos passam pela constatação do dano causado pelas redes à sociedade e aos indivíduos, sobretudo os mais jovens que têm desenvolvido uma dependência tecnológica que compromete a saúde mental deles. O documentário tem causado desconforto e perplexidade, sobretudo em famílias e educadores. Alguns especialistas em comportamento humano têm defendido, inclusive, que as redes sociais estão colocando a humanidade em risco. Em um determinado momento, ao serem questionados sobre “qual é o problema das redes sociais”, esses executivos reagem com silêncio nervoso, indicando a complexidade dos danos; elas têm trazido riscos, até mesmo, para as democracias do mundo. 

O vício, a meu ver, é o que tem preocupado mais os pais, responsáveis e educadores. Isso porque as redes sociais precisam do nosso tempo, ou seja, quanto mais disponibilidade o usuário passa dentro do sistema, mais ele fica exposto aos anúncios e produtos. O modelo de monetização e o acesso à geolocalização – trabalhados via algoritmos e inteligência artificial – compõem o “Capitalismo de Vigilância”, que monetiza dados que os usuários oferecem, gratuitamente, às empresas de tecnologia no processo cotidiano de navegação. Esse é um novo mundo para o qual nossos filhos não estão preparados. E o documentário mostra isso, claramente. Então, essa falácia de que os nativos digitais estão mais talhados a lidar com esse mundo cai por terra. 

Diante de constatações sobre os dilemas éticos e como a sociedade deve responder a esse novo cenário, o que nos cabe – como pais e educadores – é preparar os nossos filhos e alunos para essa nova realidade. Como mestre em Educação pela Universidade de Stanford e pai de quatro filhos, há alguns anos tenho me preocupado com essa temática. Para preparar os estudantes, a Geekie – empresa referência em educação com apoio de inovação no Brasil e no mundo, que cofundei com Eduardo Bontempo – transformou a disciplina de Educação Digital em ferramenta pedagógica para que as escolas possam preparar os alunos para o cenário contemporâneo.

Alinhado a essa forma de pensar o Geekie One – que conversa a preocupação da exposição de crianças e adolescentes aos riscos apresentados pela conectividade – tem, entre as disciplinas eletivas, Educação Digital e Cidadania Digital, sendo esta inspirada no livro “Digital Citizenship in Schools”, de autoria de Mike Ribble em parceria com a International Society for Technology in Education. Ambas têm por finalidade auxiliar jovens a compreender as oportunidades, os riscos e os desafios de estarem conectados. O conteúdo prepara os alunos do Ensino Fundamental e do Novo Ensino Médio para lidarem com a complexidade da vida digital. Habilidades como a argumentação, a empatia, o pensamento crítico e a autorreflexão são partes importantes desse conteúdo. O Geekie One representa a mais completa iniciativa de personalização da aprendizagem; resulta da experiência de uma empresa que alcançou mais de 5 mil escolas públicas e privadas de todo o país, impactando cerca de 12 milhões de estudantes.

As disciplinas Educação Digital e Cidadania Digital estão pautadas no tripé oportunidades, riscos e desafios que o mundo digital proporciona. A condução ocorre dentro de um processo de aprendizagem significativa que leva para a sala de aula casos reais e próximos da vida de cada estudante. Com metodologias ativas, abre-se espaço para discussões sobre fatos reais – casos que agregam valor não apenas ao que é aprendido, mas que impulsionam o desenvolvimento da autonomia do aluno para criar um ambiente de aprendizagem colaborativa dentro da sala de aula. Como resultado, torna-se possível desenvolver competências bastante relevantes para a formação de estudantes, alinhadas inclusive à BNCC e em sintonia com o Novo Ensino Médio. O aluno exercita, na sala de aula, a empatia, o diálogo, o desenvolvimento do pensamento crítico, a cooperação e a capacidade de resolução de problemas. Essa capacitação tem o potencial incrível de formar cidadãos com escuta ativa e sensibilidade para as questões coletivas.

Educar os jovens para enxergar os desafios e as oportunidades das redes sociais é um tema de especial relevância. A escola e a família precisam ensinar os jovens a lidar com as complexidades do estar conectado; educar para a cidadania digital vai além da disseminação da compreensão de conceitos como pegadas digitais. O aluno tem que ser preparado para ver e compreender a relevância desse conhecimento; entender como as pegadas digitais influenciam na forma como ele será visto na internet; como a reputação on-line pode influenciar a busca de um emprego ou a vaga acadêmica, no futuro. Esse aprendizado envolve disponibilizar insumos para o alcance da cidadania – ou seja, uma aprendizagem significativa e relevante para o cotidiano do aluno.

| Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University.

 

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