quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Literatura Atual.

 

Aos 74 anos, finalista do Prêmio LeYa Portugal transforma perdas em arte no romance “As vontades do vento”


Jozias Benedicto encontrou na literatura um novo caminho de criação e expressão após os 60, e seu novo livro mistura realismo fantástico e memória para falar de tempo, família e reconstrução.


Artista visual e escritor, Jozias Benedicto transforma perdas pessoais e memórias familiares em ficção no romance “As vontades do vento” (Caravana Grupo Editorial, 195 págs), finalista do Prêmio LeYa Portugal de Literatura 2024.


O autor maranhense — que começou a publicar depois dos 60 — simboliza uma geração de criadores que encontram na maturidade o auge da experimentação e da liberdade artística. O autor, que já publicou nove livros, também já conquistou outras premiações como o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais, o Prêmio da Fundação Cultural do Maranhão e o Prêmio de Literatura do Estado do Pará.




Em sua prosa, a vida, a morte e o tempo se confundem em vozes múltiplas que revelam o Brasil profundo e suas heranças emocionais. “O autor, com domínio absoluto da linguagem e da técnica narrativa, transpõe a estrutura do conto para a narrativa longa. O romance traz, na singularidade de cada capítulo, as diversas vozes, os lugares, cheiros e ambientações — tanto de um vilarejo do interior quanto das grandes cidades modernas — sem perder o contexto geral do que se quer contar”, ressalta Andreia Fernandes, escritora, na orelha do livro.


Neste novo trabalho, o artista visual e escritor maranhense apresenta um romance inquietante que mergulha nas entranhas de uma família envolta em segredos do clero, prostituição e herança escravocrata. Narrada por múltiplas vozes, a história ganha contornos de realismo fantástico ao incluir as perspectivas daqueles que já partiram, mas que seguem essenciais para o desfecho de uma trama que atravessa gerações.


Segundo Jozias, o livro reflete as contradições entre o Brasil tradicional e o país em busca de modernização, abordando os efeitos do desenvolvimento desigual, como a violência e o rompimento de vínculos familiares.

“Nunca quis escrever ensaio ou não ficção, nem um romance realista e engajado — meu caminho foi o oposto: desenvolver esses temas por meio da ficção e de suas vertentes mágicas e fantasiosas”, afirma o autor.


Vozes que se cruzam, memórias que se desfazem


Dividido em três partes — O InteriorA Travessia e A Capital — o romance reúne 49 capítulos narrados em primeira pessoa por diferentes personagens. O núcleo central é composto pelo pai, mascate (vendedor de porta em porta), a mãe e os três filhos — Joaquim, Pedro e Bento — além de figuras que orbitam o cotidiano da família, como Mocinha, a empregada, e Elisa, a cafetina.


A avó materna e seu irmão, o já falecido Monsenhor — tido como santo no vilarejo — são peças-chave no desenlace do enredo, situado em uma pequena cidade do norte do país, nos anos 1950.


O ponto de partida é a morte da mãe e a promessa dos filhos de cumprir seu último desejo. Antes da viagem, porém, o livro retorna ao passado e desvenda o percurso da família: da ascensão social vertiginosa à desolação que precipita a queda dos herdeiros.


A estrutura polifônica é o grande trunfo de “As vontades do vento”. Ao alternar os narradores, Jozias costura as pontas soltas e revela tanto o contexto dos acontecimentos quanto as motivações de cada personagem. Os episódios vistos sob diferentes ângulos ampliam a força dramática das cenas e sustentam um ritmo ao mesmo tempo compassado e instigante. O desfecho, de impacto emocional, confirma a sagacidade e a singularidade do escritor-artista.


Trajetória consolidada e uma coleção de prêmios


Nascido em São Luís (MA), em 1950, Jozias Benedicto mudou-se aos 15 anos para o Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida. Entre 2006 e 2010, residiu em Brasília e, desde 2022, divide seu tempo entre o Brasil e Lisboa. Formado em Tecnologia da Informação, atuou na área entre 1970 e 2010. Após os 60 anos, decidiu dedicar-se integralmente às artes — especialmente à interseção entre literatura e artes visuais.


Cursou duas pós-graduações na PUC-Rio — Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo (2014-2015) e Corpo e Palavra nas Artes da Cena e da Imagem (2021-2022) — e trabalhou como editor na Apicuri (2010–2016). Também atua como curador e produtor de textos críticos para exposições de arte e escreve crônicas e resenhas para o portal luso-brasileiro Estrategizando.


Estreou na literatura em 2013 com Estranhas criaturas noturnas (Editora Apicuri) e, desde então, publicou nove livros, entre contos, poesia e romance. Acumula distinções como o Prêmio de Literatura do Governo de Minas GeraisPrêmio Moacyr ScliarPrêmio da Fundação Cultural do Estado do Maranhão e do Prêmio de Literatura do Estado do Pará, além de ter sido finalista do Prêmio Sesc de Literatura e do Prêmio LeYa Portugal com o romance agora lançado.


O autor revela que o processo de escrita também o ajudou a atravessar perdas pessoais, como a morte da mãe e um incêndio em seu apartamento.


“Ainda que o livro tenha me ajudado a superar traumas, não é o efeito terapêutico que me move como artista. O que importa é saber se a obra atinge o leitor”, pondera.


Trecho do livro (pág. 57)

“Meu pai tinha uma relação singular, uma relação física, quase sensual, com o dinheiro. Gostava de contar as cédulas e as moedas, limpá-las, arrumá-las por valor, sentir seu cheiro, avaliar o peso e o volume de pilhas dobradas ou de moedas empilhadas (...). Tinha grande facilidade para as operações matemáticas, e se sentia feliz com a concretude da riqueza, o cofre cheio, a carteira pesada.

Não era gastador inconsequente, mas também não era avaro — esse prazer talvez o fizesse crer que o tão amado bem nunca deixaria de fluir para ele.”



Adquira “As vontades do vento”, de Jozias Benedicto, pelo site da Caravana Grupo Editorial: caravanagrupoeditorial.com.br/produto/as-vontades-do-vento/

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