Jozias Benedicto encontrou na literatura um novo caminho de criação e expressão após os 60, e seu novo livro mistura realismo fantástico e memória para falar de tempo, família e reconstrução. Artista visual e escritor, Jozias Benedicto transforma perdas pessoais e memórias familiares em ficção no romance “As vontades do vento” (Caravana Grupo Editorial, 195 págs), finalista do Prêmio LeYa Portugal de Literatura 2024. O autor maranhense — que começou a publicar depois dos 60 — simboliza uma geração de criadores que encontram na maturidade o auge da experimentação e da liberdade artística. O autor, que já publicou nove livros, também já conquistou outras premiações como o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais, o Prêmio da Fundação Cultural do Maranhão e o Prêmio de Literatura do Estado do Pará. |
Em sua prosa, a vida, a morte e o tempo se confundem em vozes múltiplas que revelam o Brasil profundo e suas heranças emocionais. “O autor, com domínio absoluto da linguagem e da técnica narrativa, transpõe a estrutura do conto para a narrativa longa. O romance traz, na singularidade de cada capítulo, as diversas vozes, os lugares, cheiros e ambientações — tanto de um vilarejo do interior quanto das grandes cidades modernas — sem perder o contexto geral do que se quer contar”, ressalta Andreia Fernandes, escritora, na orelha do livro.
Neste novo trabalho, o artista visual e escritor maranhense apresenta um romance inquietante que mergulha nas entranhas de uma família envolta em segredos do clero, prostituição e herança escravocrata. Narrada por múltiplas vozes, a história ganha contornos de realismo fantástico ao incluir as perspectivas daqueles que já partiram, mas que seguem essenciais para o desfecho de uma trama que atravessa gerações.
Segundo Jozias, o livro reflete as contradições entre o Brasil tradicional e o país em busca de modernização, abordando os efeitos do desenvolvimento desigual, como a violência e o rompimento de vínculos familiares.
“Nunca quis escrever ensaio ou não ficção, nem um romance realista e engajado — meu caminho foi o oposto: desenvolver esses temas por meio da ficção e de suas vertentes mágicas e fantasiosas”, afirma o autor.
Vozes que se cruzam, memórias que se desfazem
Dividido em três partes — O Interior, A Travessia e A Capital — o romance reúne 49 capítulos narrados em primeira pessoa por diferentes personagens. O núcleo central é composto pelo pai, mascate (vendedor de porta em porta), a mãe e os três filhos — Joaquim, Pedro e Bento — além de figuras que orbitam o cotidiano da família, como Mocinha, a empregada, e Elisa, a cafetina.
A avó materna e seu irmão, o já falecido Monsenhor — tido como santo no vilarejo — são peças-chave no desenlace do enredo, situado em uma pequena cidade do norte do país, nos anos 1950.
O ponto de partida é a morte da mãe e a promessa dos filhos de cumprir seu último desejo. Antes da viagem, porém, o livro retorna ao passado e desvenda o percurso da família: da ascensão social vertiginosa à desolação que precipita a queda dos herdeiros.
A estrutura polifônica é o grande trunfo de “As vontades do vento”. Ao alternar os narradores, Jozias costura as pontas soltas e revela tanto o contexto dos acontecimentos quanto as motivações de cada personagem. Os episódios vistos sob diferentes ângulos ampliam a força dramática das cenas e sustentam um ritmo ao mesmo tempo compassado e instigante. O desfecho, de impacto emocional, confirma a sagacidade e a singularidade do escritor-artista.
Trajetória consolidada e uma coleção de prêmios
Nascido em São Luís (MA), em 1950, Jozias Benedicto mudou-se aos 15 anos para o Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida. Entre 2006 e 2010, residiu em Brasília e, desde 2022, divide seu tempo entre o Brasil e Lisboa. Formado em Tecnologia da Informação, atuou na área entre 1970 e 2010. Após os 60 anos, decidiu dedicar-se integralmente às artes — especialmente à interseção entre literatura e artes visuais.
Cursou duas pós-graduações na PUC-Rio — Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo (2014-2015) e Corpo e Palavra nas Artes da Cena e da Imagem (2021-2022) — e trabalhou como editor na Apicuri (2010–2016). Também atua como curador e produtor de textos críticos para exposições de arte e escreve crônicas e resenhas para o portal luso-brasileiro Estrategizando.
Estreou na literatura em 2013 com Estranhas criaturas noturnas (Editora Apicuri) e, desde então, publicou nove livros, entre contos, poesia e romance. Acumula distinções como o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais, Prêmio Moacyr Scliar, Prêmio da Fundação Cultural do Estado do Maranhão e do Prêmio de Literatura do Estado do Pará, além de ter sido finalista do Prêmio Sesc de Literatura e do Prêmio LeYa Portugal com o romance agora lançado.
O autor revela que o processo de escrita também o ajudou a atravessar perdas pessoais, como a morte da mãe e um incêndio em seu apartamento.
“Ainda que o livro tenha me ajudado a superar traumas, não é o efeito terapêutico que me move como artista. O que importa é saber se a obra atinge o leitor”, pondera.
Trecho do livro (pág. 57)
“Meu pai tinha uma relação singular, uma relação física, quase sensual, com o dinheiro. Gostava de contar as cédulas e as moedas, limpá-las, arrumá-las por valor, sentir seu cheiro, avaliar o peso e o volume de pilhas dobradas ou de moedas empilhadas (...). Tinha grande facilidade para as operações matemáticas, e se sentia feliz com a concretude da riqueza, o cofre cheio, a carteira pesada.
Não era gastador inconsequente, mas também não era avaro — esse prazer talvez o fizesse crer que o tão amado bem nunca deixaria de fluir para ele.”
Adquira “As vontades do vento”, de Jozias Benedicto, pelo site da Caravana Grupo Editorial: caravanagrupoeditorial.com.br/


Nenhum comentário:
Postar um comentário