quarta-feira, 24 de maio de 2023

Poemas Urbanos

Por Pedro Lichtnow
Poemas Urbanos


A MINHA PARIS


Curitiba é minha Paris

Minha solidão sensata

Aos passos moribundos

De céus escuros e lastros

 

Do tempo dos ladrilhos frios

De noites geladas

Dos cabarés escuros

Das mulheres de cetim

De sinais vermelhos, serenos

 

Ao Sena e às neblinas do palácio

À XV vívida na retina

Às câmeras da madrugada

Ao som de passadas pesadas

 

O passado nunca se vai

Ele permanece no canto calado, quieto e vivo

Sem som ou vícios

 

Com cortinas e fumaças,

 Artistas, verdades e mentiras

Ilusões perdidas

Esperanças ávidas

Curitiba de alma, prazeres, carnes

Cobiças

Suspeitas e armadilhas

De saias alongadas, quantas feridas...

 

Curitiba, minha Paris

Minha menina

Divã, santa e blasfêmia

Com dias fechados e céu nublado

Em outonos estranhos e verões passageiros

 

Traz o passado, a vida e o tempo

Quando burla os sonhos

Abre clarões às sombras

Furta sensações e hipocrisia

 

Quando mentia para existir no seio compelido

Em meio aos poderes secretos

À vaidade envaidecida

 

Minha Paris enche minha alma

Sufoca a própria vida

Volta às faces de Curitiba

Carrega o meu coração

Existe em farsas e compaixões

Tensos, tensões, medos obscuros

 

Quando os tempos transpassam

As vidas cruzam

Os amores devolvem

O espírito da morte

A ressurreição dos astros

 

Minha Paris

Enigmática, cigana, mordaz

De cúpulas sociais

Templos abismais

 

Quando os ventos cortam o tempo

Vestem a nova vida

A noiva, o sereno, eu vejo a mim agora e antes

Em um mundo distante

 

De ventanias

Ventos e uivos ocultos

Disparos e sirenes aos sinos de vidros

 

 

Quando o tempo perpassa

Cobre o corpo dilatam o momento

Em pensamentos súbitos

De pensadores

De livros achados

Em masmorras de concreto

Em paredes pixadas

 

Ah, Curitiba, minha Paris alada

Seus bosques secretos

Seus espaços públicos, júbilos

 

São sagrados, mórbidos, benditos

Quando as sombras iluminam

Voos vazados nos cumes e declives perdidos

 

Quantos homens

Sonâmbulos embriagados

Correm, caminham, passam

Sujos, perplexos, ensandecidos

 

Escárnios são escárnios

Almas relentas

Sedentos, vagos, pérfidos

Tantos fartos

Fardos

 

Pesos incensos, insossos

Contrassensos do mundo

Olhos vazios e escuros

 

Cigarros, sabores, cafés, pedidos

Insólitos, luzes foscas em prédios

Mundos esquecidos

Universos separados

Vidas seladas em loucuras esparsas

 

Momentos estreitos

Ruas diagonais

Vidas abarcadas

Vidas viscerais

Escadas, ladrilhos, labirintos, largos, assaltos à alma

 

Famintos, sorridentes

Em noites perdidas

Ao som das charretes

De cavalgadas.

Das estrelas e da madrugada

Nos becos falidos

 

Na Île de France

Às praças vultosas

Às matrizes e meretrizes

Ao conhaque pulsante

Às luzes fumegantes

 

Curitiba é a minha Paris

A minha luz abandonada

Ribalta, atriz forasteira

 

De imigrantes, províncias e provincianos

Carolas, fraques, bigodes, velhos sarcásticos

Jovens bêbados, doentes embriagados

Giras, presos, hospícios abertos e livres nos cantos caídos

Minha Paris

 

Estarrecida

Com luzes morna e aquecidas

Em postes adormecidos

 

De vidas largadas e lagartas sem pele

Paradas, imóveis e imortais nos becos vadios

 

Todos sempre correm por uma pressa sem sentido

Nas esquinas barulhentas e efervescentes

Por uma cama ao som dos trens

Em trilhos e riscos imaculados

Vagam aos próprios passos

 

Minha Paris

Minhas Pinhas elevadas

Meus princípios

Começos, recomeços

Em olhares furtivos

Por meios vastos

 

Encantos sutis

Por selos e chancelas

Nos centros proibidos

 

Curitiba é a Minha Paris

A cidade mais bela

Com ruas camufladas

Corpos secretos

Cobertos por flores, perfumes e cheiros abertos

 

Flores de outono

Presépios escarnecidos

Ritos, paródias, memórias distantes

São flamejantes

 

Das mãos escorridas

Dos cafés moídos

De gostos proibidos

De letras esculpidas em noites perdidas

 

Paris é minha Curitiba

 

Em filas sagradas, tumultos e desgraças

Aos pães velados

Por almas vazias

Nas ruas desertas

Por uma vida vadia

 

Em um mundo perverso.

Sem remorsos ou prelúdios

 

Aos parques e praças

As ilhas em desgraça

As artes pueris

 

Aos mortos ávidos

Em becos escuros

Nos trechos insensatos

Por meios estranhos

Encontros fadados

 

Paris é minha Curitiba

 

Eu volto ao trono dos gênios

Ao quarto solitário

À solidão confusa

Ao caos da noite

 Às manhãs apressadas

 

Curitiba, sim, minha Paris!

Meu reduto dos romances e fracassos

Das vitórias utópicas

Da Paris rejuvenescida em faces inesperadas

 

Minha Paris de passos largos ao passado

De volta ao presente

Em teu seio estou aqui!

Por meio dos meus pés e das minhas mãos ferozes

 

Minha Paris é ali, agora e antes....

Nunca mais vou esquecer-te.

 

Pedro Lichtnow



Um comentário:

Maria Teresa Freire disse...

Gostei imensamente! O poema nos leva por uma Curitiba como é, mas envolta na neblina poética, transformando a cidade em sonho, cobiça, encantamento, becos escuros e espaços claros e flamejantes! Esse poema deveria ser a verdadeira divulgação da cidade, para os que não a conhecem! Brilhante!