quarta-feira, 12 de maio de 2021

Paraná

 Estiagem, pandemia, aumento nos custos da produção de alimentos e exclusão no campo apontam para o aumento da fome e mais empobrecimento, afirmam organizações.



O Bloco Parlamentar de Apoio à Agricultura Familiar da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), liderado pela deputada estadual Luciana Rafagnin (PT), se reuniu na manhã desta terça-feira, em modo remoto, para discutir diversas preocupações do segmento com as alterações nas definições de agricultura familiar, ditadas pelo Decreto presidencial nº 10.688/2021, e também os impactos da estiagem na produção de alimentos no estado. Esses fatores todos combinados com a pandemia, o aumento nos custos de produção, desmonte de políticas sociais e políticas de exclusão no campo, que atingem especialmente comunidades da reforma agrária, indígenas e quilombolas,  apontam para o aumento da fome e do empobrecimento, de acordo com as organizações da agricultura familiar que participaram da reunião.


Um levantamento feito em parceria pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Paraná (Fetraf-PR) e a União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes) em seis regiões do estado, apontou que a esmagadora maioria dos municípios pesquisados sofrem com impactos da estiagem sobre a atividade produtiva e o abastecimento de água (crise hídrica). Em 89,3% deles, a falta de chuvas afeta essas duas condições e em 10,7%, é mais evidente, até então, apenas na produção de alimentos. A agricultora familiar Maria Matilde Machado, produtora de leite e dirigente do Siscooplaf - Sistema de Cooperativas de Leite do Oeste do Paraná –, citou na reunião do Bloco o exemplo do reassentamento em que vive, onde há alguns anos 95% das famílias produziam leite e disse que hoje essa parcela não atinge a marca de 10%. “A falta de pastagem por conta da estiagem prolongada, o aumento nos custos da produção, o congelamento do valor pago na venda para a merenda escolar e outros fatores vêm inviabilizando a atividade do leite. Temos de achar saída. Para onde foi o leite que antes se produzia aqui?”, pergunta.

A deputada Luciana adverte que, em um momento dramático como o que estamos vivendo, com 19 milhões de brasileiros passando fome e mais da metade da população – 116,8 milhões de pessoas, enfrentando algum grau de insegurança alimentar -, segundo dados da Rede Penssam, se medidas de socorro emergencial e de apoio ao segmento por parte dos governos federal e estadual não forem rapidamente adotadas, os riscos de um empobrecimento ainda maior no campo, da escassez de alimentos e do aumento da fome apontarão para um cenário cada vez mais catastrófico. “É um conjunto todo de problemas e de ações prejudiciais que agravam o quadro da pandemia e preocupam as entidades da agricultura familiar e os parlamentares que integram este Bloco”, disse Luciana.

Ao comentar a crise hídrica no estado, o deputado Arilson Chiorato (PT), destacou a responsabilidade do governo do Paraná diante da situação: “Uma coisa é a crise e a outra é a postura do Poder Executivo na gestão dessa crise. O governo não se preparou, não fez uma campanha preventiva e de resiliência para o que já era evidente que viria a acontecer. Deixou que acontecesse”, criticou. Os deputados Professor Lemos e Tadeu Veneri (PT) também reforçaram a preocupação com o abastecimento de alimentos no País, por conta das mudanças climáticas e da crise hídrica, entre os outros complicadores. “A insegurança alimentar é um fator de insegurança também política e de enfraquecimento das instituições democráticas”, alertou Veneri. “Diante de um conjunto de crises enfrentadas pela agricultura familiar e de ataques, a mudança proposta no decreto presidencial 10.688/2021 não altera só palavras, mas mexe muito com a realidade e os incentivos ao segmento produtivo e temos de fazer frente a isso”, disse Lemos.

Decreto 10.688/2021

Entre as principais alterações na definição de agricultura familiar, o decreto 10.688/2021 do Presidente da República, Jair Bolsonaro, abre espaço para que outros segmentos possam ser beneficiados com condições e oportunidades destinadas especificamente à agricultura familiar e às suas cooperativas de representação, reduzindo apoio e a priorização do segmento em várias áreas. “Ao diminuir a exigência de participação de agricultores familiares nas cooperativas singulares e nas centrais, aumenta-se a possibilidade de que cooperados que  não sejam do segmento da agricultura familiar possam se beneficiar com condições específicas e, por terem maiores capacidade e facilidade de acesso, se apropriem de grande parte desses recursos e incentivos públicos”, argumentou a deputada Luciana. O que vale, não apenas individualmente para agricultores familiares, como para cooperativas de maior porte.

Entre outras coisas, o decreto reduz a exigência de participação de agricultores familiares no quadro social de uma cooperativa para que ela seja considerada de agricultura familiar. “A medida tem, sim, um viés de prejudicar e excluir a parcela mais pobre desses trabalhadores do meio rural, fragiliza o enquadramento e vem no bojo de um conjunto de decisões que buscam desmontar as políticas públicas de apoio e de fortalecimento da agricultura familiar”, adverte o engenheiro agrônomo Reni Antônio Denardi. Ele listou a falta de recursos para ações e programas essenciais como a reforma agrária, a assistência técnica e extensão rural (Ater) pública, políticas de inclusão social, especialmente de comunidades tradicionais, a retirada do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) da priorização de compra de alimentos produzidos por assentados, indígenas e quilombolas para a merenda escolar, o desvirtuamento das funções de amparo de organismos como a Funai, o Incra, o Ibama e a CTBio, entre outros. “É clara a elitização do crédito para agricultura familiar – o Pronaf – nos últimos anos, com redução não percebida tanto no volume de recursos disponibilizados, mas no número de famílias que acessam, e o enfraquecimento do controle social das políticas públicas”, advertiu.

Denardi lembra que, no período de 10 anos, o Estado do Paraná já chegou a formalizar aproximadamente 164 mil contratos de Pronaf. Hoje, são 108 mil. O mesmo é notado com a emissão da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que é o documento que comprova a atividade: “Chegamos a ter no estado quase 204 mil DAPs emitidas e, hoje, esse número não passa de 120 mil”. Nilton Agner Júnior, da Cooperativa de Orgânicos COAOPA, concorda com essa análise técnica e destaca a problemática na emissão de DAP para filhos de assentados da reforma agrária, fator que aumenta a exclusão dessa parcela de camponeses da comercialização de alimentos e da formalização do seu trabalho na atividade produtiva, desestimulando e contribuindo para o empobrecimento no campo. “São mudanças que retiram direitos e que desestimulam. Começam por inviabilizar a atividade produtiva, diminuir oportunidades e se somam aos ataques à regularização fundiária”, lembrou o dirigente da União Nacional das Organizações Cooperativas Solidárias (Unicopas), Adilson Gumieiro.

 

Encaminhamentos

Para o presidente da Fetraf-PR, Elizandro Krajczyk, o enfrentamento de todas essas questões se dá por um caminho já conhecido das organizações da agricultura familiar, o da mobilização e da articulação de forças. “Temos de construir uma pauta conjunta, entre sindicatos e cooperativas, para que a agricultura familiar não seja esquecida, não seja engolida pelos avanços do agronegócio”, disse. “Somos atores fundamentais no desenvolvimento do país e na redução da fome da população. Precisamos nos organizar e cada vez mais intensificar nossos espaços de participação coletiva”, completou.

A deputada Luciana lembrou que “o Bloco Parlamentar é uma ferramenta de apoio e que a força maior nessa resistência está justamente na união da pauta das entidades e na ação conjunta das organizações que atuam no segmento da agricultura familiar”. Entre os encaminhamentos tirados da reunião desta terça-feira está a solicitação de uma audiência com o secretário de estado da Agricultura e do Abastecimento, Norberto Ortigara, para levar as demandas no âmbito das responsabilidades do governo do estado e das soluções que competem ao Executivo estadual. O Bloco Parlamentar também enviará às bancadas do Paraná na Câmara dos Deputados e no Senado Federal um documento que relata essa situação e pede apoio à pauta da agricultura familiar, em especial de socorro emergencial e de fomento à produção de alimentos para combater a fome e o empobrecimento da população.

De acordo com o Censo 2017 do IBGE, há 535.552 pessoas ocupadas no Paraná em 228.829 estabelecimentos da agricultura familiar. No país todo, são aproximadamente 12,3 milhões de pessoas ocupadas, em um total de 3,8 milhões de estabelecimentos de produção em regime de familiar. “Respondem por mais de 70% dos alimentos da cesta básica produzidos no País, ou seja, são as mãos que alimentam a nação”, argumenta a deputada Luciana.

 

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