domingo, 16 de junho de 2019


MOSTRA DIVERSIDADE NO CINEMA PAULISTA - De 20 a 23/6 às 19h, no CineSesc. Grátis


Celebrando o mês da diversidade, o CineSesc traz a Mostra Diversidade no Cinema Paulista – Anos 80, resgatando longas-metragens clássicos daquela época, todos eles pioneiros em já discutir há 30 anos as questões de gênero, identidades, visibilidades e liberdades de expressão, e por isso mesmo, seguem surpreendentemente modernos e atuais.
Curadoria de Lufe Steffen.
DIVERSIDADE NO CINEMA PAULISTA / ANOS 80
Celebrando o mês do orgulho LGBTQ e os 50 anos da Revolta de Stonewall, marco do movimento, o CineSesc realiza na semana da Parada LGBTQ de São Paulo a mostra Diversidade no Cinema Paulista / Anos 80.
O foco vai para a “tetralogia” formada pelos filmes “O Olho Mágico do Amor” (1981), “Onda Nova” (1983), “Estrela Nua” (1985) e “O Corpo” (1991). Os três primeiros são dirigidos pela dupla Ícaro Martins & José Antônio Garcia. O último, apenas por José Antônio Garcia ( 1955-2005 ).



Em comum, os filmes tem a efervescência do jovem cinema paulistano da década de 80, a ousadia temática e lingüística e o foco na chamada “alma feminina”. Protagonizando todos os filmes está um time potente de personagens femininas que literalmente tomam o poder sobre suas próprias vidas, seus corpos, seus anseios, seus desejos. Mais atuais, impossível.
Apesar dos filmes serem dirigidos por cineastas homens, o resultado surpreende. Ícaro e Zé Antônio podem ser encarados como “estranhos no ninho” do cinema brasileiro, descartando o habitual machismo e a misoginia com que o cinema nacional quase sempre retratou suas mulheres. Essa identificação com o universo feminino continuou mesmo depois que a parceria entre os dois terminou: Zé Antônio dirigiu sozinho “O Corpo” e depois foi o diretor convocado pela atriz Maria Zilda Bethlem para dirigir “Minha Vida em Suas Mãos” (2001), filme produzido e estrelado por ela, escrito pela roteirista Yoya Wursch e que também discute o protagonismo feminino; Ícaro Martins, por sua vez, foi co-diretor, ao lado de Helena Ignez, de “Luz nas Trevas: A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (2010).
A “tetralogia” exibida na mostra foi toda produzida pela Olympus Filmes, lendária produtora paulistana capitaneada por Adone Fragano ( 1923-2014 ).
O OLHO MÁGICO DO AMOR (1981) – 84 minutos
Direção: Ícaro Martins & José Antônio Garcia
Produção: Adone Fragano ( Olympus Filmes )
Roteiro: Ícaro Martins & José Antônio Garcia
Fotografia: Antônio Meliande Montagem: Jair Garcia Duarte
Elenco: Carla Camurati, Tânia Alves, Ênio Gonçalves, Sérgio Mamberti, Cida Moreyra, Arrigo Barnabé, Luiz Roberto Galizia, Ismael Ivo, Nelson Jacobina, Jorge Mautner

Sinopse: Uma jovem se emprega como secretária numa obscura sociedade de ornitologia, cujo escritório fica em plena Boca do Lixo, centro de São Paulo. Acidentalmente ela descobre um buraco na parede – do outro lado reside uma prostituta. A jovem passa então a espionar a vida da vizinha pelo buraco, num processo de dupla identidade, onde ela deseja conquistar a prostituta, ou se transformar na própria.

O ponto de partida de “O Olho Mágico do Amor” fazia supôr que viria pela frente uma deslavada pornochanchada, bem ao gosto da Boca do Lixo paulistana do início dos anos 80. Mas a dupla de diretores, estreantes, Ícaro Martins & José Antônio Garcia, surpreendeu geral: o que se viu foi um filme estranho, que subvertia os clichês do cinema erótico brasileiro, e mais: abandonava a visão misógina e machista do cinema nacional, colocando o foco na alma de suas duas protagonistas.
Embora fossem dois diretores homens, Ícaro e Zé Antônio já estreavam mostrando um ponto de vista diferente sobre as personagens femininas – elas tinham sim direito de escolha, e seguiam uma trajetória de empoderamento, descartando o controle dos homens que, como sempre, tentavam manipulá-las e transformá-las em meros objetos sexuais.
Pode-se dizer que a série de filmes que a dupla inaugurou nessa aurora dos anos 80 é, ao lado de outras obras, pioneira desse empoderamento das mulheres no cinema, contribuindo para um movimento cinematográfico feminista que está em plena ação neste 2019. Quase quarenta anos depois de seu lançamento, será “O Olho Mágico do Amor” um filme feminista?

ONDA NOVA ( 1983 ) – 102 minutos
Direção: Ícaro Martins & José Antônio Garcia
Produção: Adone Fragano ( Olympus Filmes )
Roteiro: Ícaro Martins & José Antônio Garcia
Fotografia: Antônio Meliande
Montagem: Eder Mazzini
Elenco: Carla Camurati, Cristina Mutarelli, Vera Zimmerman, Tânia Alves, Patrício Bisso, Cida Moreyra, Regina Casé, Dartagnan Jr, Casagrande, Ênio Gonçalves, Caetano Veloso

Sinopse: Crônica de costumes do Gayvota Futebol Clube, um time de futebol feminino amador que tenta se profissionalizar. Através das componentes do time e seus amores, transas, conflitos familiares, vivências e aventuras, o filme monta um mosaico da juventude urbana dos anos 80, com ênfase nas diversas sexualidades e identidades de gênero, antecipando as discussões LGBTQs de hoje.

Se no filme de estreia, “O Olho Mágico do Amor”, a dupla Ícaro Martins-José Antônio Garcia elegia duas protagonistas femininas fortes, em “Onda Nova”eles multiplicam esse foco por onze. Afinal, cada componente do time Gayvotas tem sua história, seus dilemas e problemas nesse filme-colagem que flerta com videoclipe e histórias em quadrinhos.
As 11 garotas atravessam o filme buscando libertação, prazer, respeito e principalmente autonomia: libertam-se de seus pais – e mães! – machistas, assumem o controle do próprio corpo ( decidindo onde e com quem transar e defendendo o direito do aborto ), assumem-se lésbicas ou bissexuais se fôr o caso, buscam enfim seu lugar e espaço. Não por acaso, os personagens masculinos do filme são os mais problemáticos, com sexualidades mal-resolvidas e dificuldades de lidar com o desejo.
“Onda Nova”, 35 anos depois de seu lançamento, mostra-se atual e visionário em seus temas e linguagem. A juventude brasileira mudou muito, claro, mas seus anseios e a revolução da identidade de gênero estão mais na pauta do que nunca, como o filme já rascunhava desde os anos 80.


ESTRELA NUA ( 1985 ) – 84 minutos
Direção: Ícaro Martins & José Antônio Garcia
Produção: Adone Fragano ( Olympus Filmes )
Roteiro: Ícaro Martins & José Antônio Garcia
Fotografia: Antônio Meliande
Montagem: Eder Mazzini
Elenco: Carla Camurati, Cristina Aché, Ricardo Petraglia, Selma Egrei, Vera Zimmerman, Patrício Bisso, Cida Moreyra, Jardel Mello, Alfredo Damiano, Arrigo Barnabé

Sinopse: Uma jovem é contratada para dublar a voz de uma atriz num filme, já que a tal atriz morreu tragicamente após as filmagens, antes de colocar a voz na fita. Durante o processo de dublagem, a dubladora passa a se misturar com a personalidade da morta, se envolvendo com seus ex-amores e resgatando suas tendências suicidas, num jogo enlouquecedor. Baseado em estória de Clarice Lispector.

No terceiro filme de sua “trilogia sobre a alma feminina”, a dupla Ícaro-Zé Antônio retoma a síntese do primeiro longa e focaliza em duas personagens. O jogo de identificação e paixão da dubladora pela atriz é similar ao da secretária com a prostituta em “O Olho Mágico do Amor”, mas a diferença é que em “Estrela Nua” uma está viva e a outra está morta.
Assim, o filme envereda por um caminho metafísico e sobrenatural, aprofundando o mergulho nesse retrato feminino, potencializado por uma parceria de peso: Clarice Lispector, pois o filme baseia-se livremente em trechos da obra da escritora. Destaque ainda para o trabalho das duas protagonistas: Cristina Aché, como a atriz falecida, e Carla Camurati, como a dubladora atormentada.
Vale registrar: Carla Camurati, musa maior da dupla de diretores ( estrelou todos os filmes da trilogia ), deixou sua marca inesquecível como atriz de cinema nessa trilogia, partindo em seguida para uma trajetória ainda mais potente: foi Pagu em “Eternamente Pagu”, dirigida por Norma Bengell, e nos anos 90 liderou a chamada retomada do cinema brasileiro, com sua estreia na direção de longas: “Carlota Joaquina, Princeza do Brasil”, estrelado por Marieta Severo na pele de uma mulher que também buscou o empoderamento, séculos antes da invenção dessa palavra.


O CORPO ( 1991 ) – 77 minutos
Direção: José Antônio Garcia
Produção: Adone Fragano ( Olympus Filmes ) & Aníbal Massaini Neto
Roteiro: José Antônio Garcia & Alfredo OrozFotografia: Antônio Meliande
Montagem: Eder Mazzini & Danilo Tadeu
Elenco: Antônio Fagundes, Marieta Severo, Claudia Jimenez, Carla Camurati, Sérgio Mamberti, Maria Alice Vergueiro, Ricardo Pettine, Vera Zimmerman, Lala Deheizelin, Daniel Filho

Sinopse: Xavier, Bia e Carmen formam um feliz “trisal”, com as duas mulheres dividindo alegremente o homem da casa, apesar da perplexidade e do conservadorismo da vizinhança. Até que um dia as duas descobrem que o marido tem uma terceira mulher – uma amante, prostituta num cabaré. Revoltadas, Bia e Carmen resolvem se vingar de Xavier, num desfecho bizarro e surpreendente. Baseado em Clarice Lispector.

Após a trilogia formada por “O Olho Mágico do Amor”, “Onda Nova” e “Estrela Nua”, a dupla Ícaro-Zé Antônio se separou amigavelmente. José Antônio Garcia, porém, prolongou a pesquisa sobre a “alma feminina” e assim nasceu “O Corpo”, dirigido somente por ele.
Para essa nova viagem, Zé Antônio contou novamente com a parceria de Clarice Lispector, pois o filme se baseia no conto homônimo presente no livro “A Via Crúcis do Corpo”; e também com a colaboração de Carla Camurati, que desta vez tem um papel pequeno, mas foi uma das roteiristas do filme.
E o resultado é mais um filme feminista: à primeira vista, Bia e Carmen são mulheres submissas controladas pelo marido, o mulherengo Xavier. Mas no decorrer do filme as duas viram o jogo e tomam o poder, levando a narrativa para um desfecho que não deixa dúvidas: as mulheres estão no comando. Um filme mais do que atual num momento em que o Brasil continua discutindo até que ponto a mulher tem direito ao seu próprio corpo, ao seu desejo, a ser quem quiser ser.


O Olho Mágico do Amor / Onda Nova / Estrela Nua / O Corpo
De quinta a domingo – Dias 20, 21, 22 e 23 de junho, sempre às 19h no CineSesc
Entrada 

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