sábado, 17 de novembro de 2018

Artigo.

Nos labirintos da vida, meu pai se perdeu. Uma crônica da alma.

Uma das histórias mais famosas envolvendo um labirinto é a de Teseu, herói da mitologia grega que conseguiu matar o Minotauro, monstro metade homem, metade touro. Teseu só consegui escapar do labirinto com a ajuda da princesa Ariadne, que lhe deu um novelo de lã para marcar o caminho de volta.


O sentido alegórico desse relato mítico nos ajuda a pensar sobre nossas próprias prisões e monstros que nos assombram, como a história de José, que ficou aprisionado por muitos anos em correntes de culpa, dor e mágoa.
Filho caçula numa família de cinco irmãos e três irmãs, José buscava o afeto e reconhecimento de seu progenitor, que era um homem duro e ríspido. Assim, buscou seguir os passos do pai, entrou para o exército aos 18 anos e serviu com destaque na cavalaria, como soldado de elite.
O tempo passou e, com muitas saudades de casa, recebeu a notícia de que seu pai havia distribuído as terras da família entre seus irmãos, mas José ficou de fora da divisão da herança. Inconformado com a notícia, pediu baixa e partiu para a cidade-natal, somente para pegar suas coisas e se despedir de sua mãe.
Dormiu uma única noite em casa, sem que viesse a conversar com seu pai. De manhã, disse adeus a sua mãe e saiu antes do sol nascer. Caminhou vários quilômetros amargurado em seus pensamentos. Uma conclusão terrível foi se alojando em sua mente. “Se meu pai não me achou digno de sua herança, a culpa deve ser minha’’, pensou.
Desde que José fora embora de casa, ao ser deserdado pelo pai, viu nascer duas chagas em sua alma, a culpa e a mágoa. Sentimentos fortes e negativos que, ao longo de sua vida, funcionaram como um imã a atrair frustração, medo e derrota.
O labirinto em que José se meteu era denso e profundo, ecoando suas memórias mais dolorosas, como a rejeição sofrida na juventude pelo pai que tanto admirava e queria imitar, e pela traição de seus irmãos, que não defenderam sua herança. Um sofrimento que muito cedo passou a ser amainado pelo jogo e pelo álcool. Com o tempo, José se tornou um especialista em perder e um alcoólatra inveterado. Esses padrões nocivos de autossabotagem arruinaram sua vida e levaram sofrimento e privações para sua família.
Sob o peso da tradição e da religião, a esposa de José, que na juventude foi considerada “a moça mais bonita da cidade”, se manteve fiel ao casamento. Mesmo infeliz, suportou a bebida, o jogo e as agressões. Depois de muito tempo, só conseguia sentir pena de seu marido. E ela, que também vagava em seu próprio labirinto, ficou aprisionada em seus próprios padrões mentais até que, finalmente, a morte de seu marido a libertou.
Ao fim de sua vida, com apenas 54 anos, José estava destruído em sua estima e saúde. Nada havia restado daquele jovem corajoso e destemido, dos impressionantes treinos de guerra na cavalaria. Por muitos anos, sua única ocupação foi ser ajudante de pedreiro sobrevivendo com um baixo salário. Após anos de esforço e sacrifício, sua família conseguiu uma casa própria. Um belo dia, felizes pela conquista, os filhos de José o convidaram para construir o muro de sua casa, ao que ele respondeu visivelmente envergonhado: “eu não sei”. Os efeitos de sua alma aprisionada afetaram também sua autoconfiança e capacidade cognitiva.
A principal lição dessa pequena crônica é que os sentimentos negativos são um convite à escuridão da alma. O novelo de lã que libertaria José de seu labirinto de ressentimentos poderia ter sido a conversa sincera e amorosa entre pai e filho que, infelizmente, nunca aconteceu.
Autor: Everson Araujo Nauroski é filósofo, cientista social, coordena o curso de Sociologia da Uninter e também atua como consultor e palestrante.

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