quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba

Festival começa no próximo dia 20 explorando a temática Convergências e Subjetividades



 - Em 2016, o FICBIC – Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba –, que será realizado entre os dias 20 e 28 de outubro, reapresenta sua proposta de exibir filmes inéditos na capital paranaense e premiados em festivais internacionais de renome.

Este ano, o FICBIC está dividido em seis mostras: Panorama do Cinema Mundial, Panorama do Cinema Brasileiro, Cinema em Retrospectiva, Universo Z, Circuitos e Circuito Universitário. E atendendo a um clamor o público nas últimas edições, grande parte dos filmes será exibida duas vezes para contemplar a todos os que tiverem interesse. As exibições serão concentradas nas salas do Espaço Itaú de Cinema, no Shopping Crystal; Cine Guarani, no Portão Cultural; Cinemateca de Curitiba e Sesc Paço da Liberdade.


O tema desta edição, sugerido pelos curadores, é Convergências e Subjetividades, considerando, pelo enfoque convergente, filmes que dialogam com outras mídias ou que inserem recursos estéticos e narrativos ficcionais em documentários. Analisados pelo prisma da subjetividade, alguns filmes selecionados exibem nuances que dificultam uma definição precisa, incentivando reflexões sobre assuntos instigantes que podem ser alvo de múltiplas interpretações.   

Este é o caso do documentário de Abertura, Fogo no Mar, de Giafranco Rosi, que nos traz imagens marcantes e comoventes das desventuras de refugiados que escapam de suas cidades em guerra com a esperança de conseguirem viver em paz em outros países. As imagens de Rosi mostram não só o desespero, mas também a incerteza de um futuro. O assunto, bastante debatido no momento, é conduzido com imparcialidade e maestria, implicitando ao espectador que o drama é complexo e envolve diversas instâncias. A ilha de Lampedusa, local onde os navios chegam, é mostrada em seu cotidiano, que se contrapõe ao dos imigrantes.  A chegada de milhares de imigrantes sem dúvida afetará a rotina local. Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, que tem preocupação política e social, Fogo no Mar recebeu também o Prêmio do Júri Ecumênico e da Anistia Internacional.  Rosi morou por um ano na ilha para absorver a atmosfera local e da região da Sicilia, sul da Itália. O mar Mediterrâneo, no momento, é testemunha da mais longa e dura crise humanitária depois da Segunda Guerra Mundial. 
           
Assim como Rosi, o diretor e fotógrafo belga Pieter-Jan de Pue viveu por sete anos no Afeganistão, onde filmou The land of the Enlightened com crianças que ali moram.
Usando lentes de 16mm, o diretor mesclou cenas de realismo junto a elementos estéticos criativos, desenhando um cenário de realismo mágico e fazendo com que a natureza do local se tornasse cúmplice daquelas vidas.  Seu documentário poderia ser um “fotodoc” ou um “dramadoc”, considerando que a fotografia é central, assim como o drama que documenta as vidas das crianças, um misto de inocência, de sangue-frio e sobrevivência, uma fábula moderna que mistura elementos mundanos e sofisticados. Filmando crianças que sobrevivem trocando mercadorias, que estão habituadas ao ópio e a outras drogas, que estão viciadas no tráfico de armas, mas que, ao mesmo tempo, tem sonhos, o diretor trabalha nas convergências do cinema com a fotografia e da realidade com a fantasia. Suas técnicas foto-cinemáticas lhe garantiram o Premio Especial do Júri de Cinematografia do Festival de Sundance 2016. O líder da gang das crianças, Gholam, sonha em casar com uma das colegas e construir para ela um palácio em Kabul. Em tom alegórico, a voiceover do filme conta as origens míticas do Afeganistão e a cultura dos habitantes do lugar, enquanto a câmera fotografa a paisagem afegã. Magia visual.

A viagem de Estéban, personagem do filme chileno de Fernando Lavanderos, reflete seu título: Sin Norte. Tentando encontrar Isabel, sua companheira que some misteriosamente, o personagem vai revelando seu país, seus lugares mais esquecidos e seus encontros com moradores locais que compartilham sua busca. Sua viagem é de autoconhecimento, ao mesmo tempo em que desvenda os costumes locais. Implicitando detalhes, o diretor privilegia as subjetividades e peculiaridades de sua narrativa, que se aprofunda cada vez mais no cenário chileno, sem direcionamento, sem “norte”, como um barco à deriva. É um filme de sensações, de descobertas, uma espécie de road-movie. O longa, que começa com a preocupação do protagonista, expande seu horizonte incluindo habitantes que manifestam suas angústias, assim como evidencia a negligência do país em relação a áreas mais afastadas de Santiago. Foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri no Festival de Valdívia (Chile) e o Kikito de melhor filme e melhor direção na mostra competitiva internacional do Festival de Gramado. 

Sonita, um documentário sobre uma jovem afegã que seria vendida em casamento se não tivesse reagido e feito um vídeo blog  de música, é um filme de Rokhsareh Ghaem Maghani, do Irã, vencedor de quase 20 prêmios, entre os quais o Grande Prêmio do Público no Festival Internacional de Sundance (EUA),  o melhor filme de estreia no Biografilm Festival, o Viktor Award no Festival Internacional de Documentários de Munich, o Schweppes Indie Music Award no IndieLisboa, Festival Internacional Independente,  e o IDFA Audience Award no Festival Internacional de Documentários de Amsterdam, além do prêmio do público nos festivais internacionais de Portland, Sarasota e Montclair.  O documentário revela hábitos afegãos de casamentos de jovens desde que completam 13 anos, sendo que a porcentagem de casamentos forçados varia entre 60 a 80%.  Além disso, jovens não podem cantar em público sem permissão estatal.  A representação da cultura afegã é permeada pela subjetividade inerente a um mundo não familiar ao ocidental, permitindo diversas interpretações que só são válidas dentro de um contexto local onde tradições são respeitadas.

Vencedor do Prêmio Fipresci (concedido pela crítica) da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2016, o primeiro filme de Bogdan Mirica, Dogs, dialoga com Sonita em relação às tradições locais pouco conhecidas pelos não iniciados.  Tendo elos de convergências com o western, com o cinema novo da Romênia e com os sombrios thrillers da tradição romena, o filme revela que a herança recebida do avô do protagonista é um território sem lei. A aparente tranquilidade do local, perto do Mar Negro e da fronteira com a Ucrânia, esconde algo assustador. O título é uma alusão, implicitando que homens não são melhores que cães.  O slow motion é teatral e alegórico, fazendo ressurgir um passado nada glorioso, do qual o avô do protagonista, sem o conhecimento do mesmo, era ativo participante.  A herança revela seu caráter bélico, em território onde qualquer rusga é motivo de luta mortal.

Pikadero, primeiro longa do escocês Ben Sharrock, revela, com humor e por vezes em tom mais dramático, a frustração de dois jovens que não encontram um lugar onde possam estar a sós na vila basca onde vivem.  Gorka e Ane parecem não ter muitas expectativas sobre o futuro, e a crise financeira da região é bastante evidente no filme, além dos hábitos da cultura basca.  O filme alude a pontos de convergência com o cinema de Jacques Tati e de Buster Keaton, além de ter em suas cores referências aos artistas visuais Edward Hopper e George Shaw, favoritos do diretor. Pikadero recebeu diversos prêmios como melhor filme europeu no Festival Internacional de Bruxelas, Critics Choice Award no Festival de Cinema de Zurich, Fipresci Film Award de melhor filme no Festival Internacional de Cinema de Molodist (Ucrânia) e no Festival Internacional de Cinema de Edimburgo, melhor edição no Festival Internacional de Tirana e melhor novo diretor no Evolution International Film Festival (Mallorca, Espanha).

Do not Resist, documentário do americano Craig Atkinson, vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival de Cinema de Tribeca 2016, em Nova York, revela a militarização da polícia americana com armas poderosas. Filmado durante dois anos, quase sem uso de som e com imagens fortes, o filme parece atribuir à câmera o papel de testemunhar os fatos, sem narração, oferecendo ao espectador imagens que falam por si mesmas. O tema da cultura do medo e da brutalidade durante protestos diagnosticam os problemas sem tentar solucioná-los, mas implicitam os dois lados da questão, que é subjetiva: por um lado o papel da polícia de evitar o crime e de proteger os cidadãos, por outro lado o uso irracional da implantação do equipamento armado.  Encontrar um equilíbrio entre os dois lados seria uma solução inicial.

A seleção de longas do Panorama Mundial do Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba enfatiza a convergência reflexiva sobre hábitos culturais não tão conhecidos, retratados nos filmes Sonita, Dogs e  Pikadero e a convergência interna do filme The land of the enlightened, que intertextualiza realidade e fantasia, ficção e documentário.  Outro aspecto a ser considerado é a premiação-incentivo aos diretores que estão apresentando seus primeiros longas, como Ben Sharrock (Pikadero), Craig Atkinson (Do not resist) e  Rokhsareh Ghaem Maghani (Sonita).  A visão de dentro e o olhar estrangeiro, ambos relevantes, também são de importância para a apreciação dos filmes. Pieter-Jan de Pue viveu por sete anos no Afeganistão para realizar seu documentário (The land of the enlightened).  Gianfranco Rosi morou por um ano in Lampedusa, observando a rotina da cidade e as migrações (Fogo no mar).  Ben Sharrock, ao contrário, oferece sua percepção de outsider, igualmente promissora (Pikadero).  Fernando Lavanderos (Sin Norte) faz com que seu protagonista conheça seu país e seu próprio mundo interior.  Além disso, os filmes dialogam em suas subjetividades, oferecendo insights, mas permitindo uma leitura diferenciada de espectadores que, de acordo com suas vivências e seus pontos de vista, podem refletir sobre os temas atuais da seleção.  

 O Panorama Mundial conta também com cinco curtas premiados. Hold On foi selecionado para o prêmio de melhor narrativa e Extremispara o de melhor documentário no Festival de Cinema de Tribeca. O primeiro, de Charlotte Scott-Wilson, da Holanda, exibe uma jovem violoncelista que pertence a uma orquestra. No entanto, para continuar atuando, deve se conhecer melhor e conseguir superar seus medos. O segundo, do diretor norte-americano Dan Krauss, questiona o direito da eutanásia, a ética e a decisão familiar extremamente difícil de ser tomada, considerando a subjetividade que envolve a questão, no caso de pacientes terminais, sem possibilidade de cura.

O curta do realizador catalão Juanjo Giménez Peña, Timecode, questiona o papel das câmeras de segurança e seus efeitos positivos e negativos, retratando Luna e Diego, que são guardas de segurança e o que devem registrar em seus trabalhos em um estacionamento. O filme, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, remete também aos empregos duplos que as pessoas devem manter para sobreviverem financeiramente e poderem se dedicar ao que realmente gostam. No caso, ambos os seguranças eram bailarinos.

O filme de Mahdi Fleifel, A Man Returned, documenta a vida de um refugiado que sofre ao voltar ao seu país com um problema de adição às drogas. O diretor filmou por certo tempo ao vivo, fazendo com que o filme tenha convergências com Fogo no Mar, no sentido de se tratar do tema de refugiados e suas conseqüências e também em relação ao sonho de se casar com sua namorada de infância, o que remete ao filme The Land of the Enlightened, quando Gholam sonha em casar com sua jovem amiga.
A Man Returned foi selecionado como melhor filme no VIS Vienna International Shorts e premiado com o Urso de Prata no Festival Internacional de Cinema de Berlim.

Murderous Injustice, de Gavin Scott Whitfield, do Reino Unido, baseado em um incidente real, conta, em uma só tomada, a história da morte de um refugiado em 2013, acusado injustamente de pedofilia, ao tirar fotos de jovens que estavam vandalizando o jardim de sua casa. Bijan Ebrahimi, um refugiado iraniano, foi agredido até sua morte e queimado em seguida por seu vizinho.  O curta converge com o longa Do not Resist no sentido da violência extrema e desequilibrada que pode levar a trágicas conseqüências sem retorno.  A técnica usada para filmar acompanha o incidente, que é levado a cabo em uma só tomada. O filme pode ser classificado como um “dramadoc”, ou seja, um drama que documenta um episódio real.

A seleção de curtas privilegia temas do momento, como eutanásia, procura de soluções para refugiados, violência excessiva e sem limites, e o papel das câmeras de segurança e das novas tecnologias. Os curtas que serão exibidos, todos reconhecidos em festivais internacionais pelos seus méritos não só temáticos mas também estilísticos, provocam reflexão sobre assuntos relevantes, alguns sem solução no momento. O tema das convergências encontra eco em alguns, que remetem a longas ou a outros filmes intertextuais, enquanto que os aspectos subjetivos contemplam elementos implícitos que evitam maniqueísmos, abrindo espaço para pluralidades e polifonias.  A seleção enfatiza também uma diversidade de culturas, tentando desenhar um mapa-múndi que permita um amplo espectro de regiões, desde a América do Sul até o Irã, trazendo filmes de idiomas diversos para uma absorção tanto visual quanto lingüística e sociológica.

O Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba 2016 é apresentado pela Petrobras, organizado pela Bienal de Curitiba com apoio da Unespar-FAP, FCC e Prefeitura de Curitiba e realizado pelo Ministério da Cultura Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Paraná. Conta com patrocínio do BNDES e Itaipu Binacional por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Co-patrocínio da Fecomércio PR, SESC Paraná.


Sobre os curadores do FICBIC
Paulo Camargo é jornalista, crítico de cinema e professor dos cursos de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e do Centro Universitário UniBrasil. Também leciona em cursos de pós-graduação da PUCPR. É integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema e editor do portal de cultura A Escotilha.

Denize Araujo é Coordenadora da Pós em Cinema e Docente do Mestrado e Doutorado da UTP - Universidade Tuiuti do Paraná, na linha de Cinema e Audiovisual. É diretora do Clipagem – Centro de Cultura Contemporânea. É Membro do International Council, do Publishing e do Scholarly Review Committee, e Vice-Coordenadora do GT Visual Culture da IAMCR.


Serviço
Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba 2016
Data: 20 a 28 de outubro
Locais: Espaço Itaú de Cinema (Shopping Crystal), Cinemateca de Curitiba, Sesc Paço da Liberdade e Cine Guarani(Portão Cultural)
Ingressos: R$ 4,  R$ 2 (meia) e gratuito
Patrocínio: Petrobras, BNDS e Itaipu Binacional
Co-patrocínio: Fecomércio-PR, Sesc, Master Brasil e M2 Sys
Realização: Ministério da Cultura e Secretaria de Estado do Paraná/Governo do Paraná

Nenhum comentário: